Competências e Liberdades de Ordem Econômica na COVID-19

06/07/2020 18:23:00 https://bit.ly/31MYR6x
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No Brasil as questões socioeconômicas e de saúde pública relacionadas à pandemia Covid-19 são de responsabilidade de todos os entes da Federação: União, Estados e Municípios (CF art. 23, IIe art. 24, XII).

 

Competência nasce de Lei. É norma de direito estrito. Nesse caso, ao definir o sistema organizativo da nação, a Constituição Federal atribui funções a esses diferentes entes de forma cumulativa ou concorrente. Isto ocorre quando mais de um ente possui atribuições sobre a matéria ou território. Assim ficou consignado na ADI 6341, no voto do Ministro Marco Aurélio, também na ADPF 672-DF relatada pelo Ministro Alexandre de Moraes, neste com destaque para o Município suplementar a legislação federal e estadual (art. 30, II da CF).

 

Para questões relacionadas à saúde o critério foi o da descentralização. Ou seja, o ente que está na ponta, que presta os serviços e conhece as necessidades é competente para legislar e imprimir as políticas necessárias, no caso o Município.

 

O art. 198, I da Constituição destaca o princípio da descentralização em matéria de saúde: “As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I – descentralização, com direção única em cada esfera de governo.”

 

A clareza na dicção da norma não deixa dúvida quando à competência do Município. E a interpretação constitucional, como se sabe, parte dos princípios da supremacia e da unidade da constituição, segundo os quais há preponderância hierárquica e não existe norma constitucional irrelevante.

 

Assim, a interpretação conforme a Constituição nos leva afirmar que os Municípios detêm competência em matéria de saúde, bem como para o licenciamento da atividade econômica, direito igualmente fundamental.

 

É válida a orquestração por parte dos Estados, mas não a ponto de usurpar a competência do Município. Nem mesmo por parte do Ministério Público, por vezes sob ameaça de criminalizar quem deixar de atender as normas do Estado.

 

Enquanto não dirimido o referido conflito cumulativo de competência, não haverá crime por parte de autoridade que atuar no cumprimento de suas funções.

 

De outra parte, havendo questões específicas de atos normativos, merecem ser analisados individualmente, como ressalvou o Min. Alexandre de Moraes na ADPF 672-DF. Reserva-se o direito de ação ao Poder Judiciário e se espera a intervenção mínima. Assim, cabe ao Município zelar por esses importantes valores que precisam ser simultaneamente ponderados na pandemia: a saúde pública e as liberdades públicas de ordem econômica.

 

Nesta tensão entre princípios, ambos merecem ser cotejados de forma garantística, levando-se em conta os fins sociais e as exigências do bem comum (Art. 5º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (Lei 12.376/2010).

 

Com relação à saúde, todo o esforço é necessário para preservar vidas e evitar o colapso do sistema. No que respeita às liberdades econômicas, será preciso restabelecer a confiança. Nunca, desde os tempos modernos, viu-se tamanha limitação aos valores do trabalho e da livre iniciativa, princípios fundamentais (CF art. 1º, IV).

 

Na expressão de John Locke, “cada homem tem uma propriedade em sua própria pessoa; sobre esta ninguém tem nenhum direito, exceto ele mesmo. O trabalho de seu corpo e a obra de suas mãos, pode-se dizer, são propriedades suas.”

 

São valores essenciais à República, além de constituir um modelo de prosperidade. A violação a esses direitos ao trabalho e livre iniciativa é ato de intervenção excessiva e manejo perigoso por parte das autoridades. A paralisação de atividades, como se observa, ocasiono um desastre socioeconômico incalculável. Importa a vida das pessoas, assim como a das empresas e o trabalho, em condições de distanciamento e segurança.

 

Os mortos não contarão a história. Na expressão do poeta Neruda “...con muertos no se hicieran muros, máquinas, ni panaderías”. O custo é insuportável caso as políticas restritivas persistam de forma duradoura e indeterminada.

 

As autoridades municipais não podem desviar-se de seu poder-dever, em especial quando as leis estaduais se tornem ameaça à economia local. O municipalismo foi o pano de fundo da Constituição de 1988. É nas cidades que se enfrenta a pandemia, o desemprego e a recessão. É tempo de construir soluções locais de circulação e trabalho.

 

DIRETORIA JURÍDICA DA CIC
Texto: Maurício Salomoni Gravina
OAB 35.984

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